STJ decide que planos de saúde não precisam cobrir tratamento fora de rol da ANS
A 2ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta quarta-feira (8) que a lista de tratamentos cobertos por planos de saúde, o chamado rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), deve ser taxativa.
O entendimento é considerado mais restritivo, e desobriga os convênios médicos a seguirem procedimentos que não estejam previstos na relação de terapias aprovada pela agência.
A decisão do STJ abre exceções, como a possibilidade do paciente incorporar o tratamento mediante um aditivo no contrato (veja mais abaixo), mas é considerada uma vitória para os planos de saúde.
O tribunal também revisa entendimento que, até então, liberava a inclusão de tratamentos que não constavam no rol da ANS a partir de ações individuais movidas contra atendimentos negados por operadoras.
O julgamento discutiu se o rol da ANS deve ser exemplificativo (mais amplo, permitindo a entrada de novos tratamentos) ou taxativo (restrito, sem possibilidade de mudança até nova atualização da lista). A decisão pelo rol taxativo, em tese, ainda cabe recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal), desde que seja apresentada uma questão constitucional. Ainda no Supremo, há uma ação que discute o tema sob relatoria do ministro Roberto Barroso. Ao todo, foram seis votos a favor do rol taxativo: o relator, ministro Luis Felipe Salomão, os ministros Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e a ministra Isabel Gallotti. Na ala derrotada, em defesa do rol exemplificativo, ficaram somente três ministros: Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.
“Decisão vai matar vidas”
Acompanhado de perto pelas operadoras de saúde e por movimentos sociais, o julgamento do rol da ANS foi um dos casos que colocam o STJ sob pressão neste semestre. Em fevereiro, quando a discussão foi retomada pela primeira vez, um grupo de mais de cem pessoas se acorrentou em frente à grade do tribunal contra eventual decisão que tornasse o rol taxativo. Nesta quarta (8/6), manifestantes estiveram no local com faixas em defesa do rol exemplificativo.
A jornalista Andréa Werner, mãe de um garoto autista e fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, voltado para mães de crianças com deficiência, esteve na organização dos atos e disse que, com a decisão do STJ, planos de saúde já trabalham para derrubar decisões que antes eram favoráveis à cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS. “Essa decisão vai matar pessoas. Vai deixar pessoas com deficiências, doenças graves, doenças raras desatendidas. E se bobear, os planos vão cobrar ressarcimento das pessoas de tudo que já pagaram até agora. É uma tragédia gigante que se abateu neste país hoje e espero que todo mundo esteja bem ciente disso”
As operadoras negam que a mudança levará a mais restrições a coberturas de procedimentos e tratamentos. Em nota, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 15 grupos de operadores, disse que os planos continuarão a cobrir todas as doenças listadas na CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), da Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo com o rol taxativo. “Ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo. A lista foi instituída com base em estudo técnico aprofundado, e que caberá ao Poder Executivo fiscalizar e regular os serviços de saúde”, disse o advogado Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, que representa a FenaSaúde.
Rol taxativo, mas com exceções.
O ministro Villas Bôas Cueva foi o primeiro a votar nesta sessão e se posicionou a favor do rol taxativo. O ministro fixa que a operadora não é obrigada a arcar com tratamento que não conste na lista fixada pela ANS se outro procedimento similar já esteja no rol. Segundo Cueva, o rol taxativo garante mais segurança jurídica e evita grandes reajustes, uma vez que a sinistralidade será mais previsível para as operadoras. “O estabelecimento de um rol mínimo obrigatório permite previsibilidade para cálculos embasadores de mensalidades aptas a manter em média e longo prazo planos de saúde sustentáveis, pois a alta exagerada de preço provocará barreiras à manutenção contratual, transferindo as coletividades de usuários da saúde pública a pressionar ainda mais o SUS”, disse.
O ministro, porém, ressaltou que o fato de o rol ser taxativo não significa que a lista será absoluta e inflexível. Em resumo, o entendimento firmado pelo STJ estabelece que:
- O rol da ANS é, em regra, taxativo;
- A operadora não é obrigada a arcar com procedimento que não está no rol da ANS caso houver uma opção similar presente na lista;
- Pacientes podem pedir a inclusão de um procedimento mediante um aditivo ou plano de cobertura ampliada;
- Em casos onde não há substituto terapêutico ou esgotado o rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a inclusão de procedimento desde que não tenha sido indeferido pela ANS, se tenha comprovação de sua eficácia, recomendação de órgãos técnicos nacionais e internacionais e diálogo entre o Judiciário e especialistas, incluindo membros da comissão responsável pelo rol.
A ausência do nome do medicamento, procedimento ou tratamento no rol e suas atualizações não implica exclusão tácita da cobertura contratual”, disse o ministro Villas Bôas Cueva.
Esses critérios foram incorporados à tese defendida pelo ministro Luis Felipe Salomão, que defendeu o rol taxativo no ano passado. Os ministros Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e a ministra Isabel Gallotti seguiram o mesmo entendimento dos colegas.
“Cobertor curto”
Após o voto de Villas Bôas Cueva, a ministra Nancy Andrighi, que votou em fevereiro, pediu a palavra para um aditamento e saiu em defesa do rol exemplificativo, mais amplo. Para ela, a lista mais aberta não significa a inclusão automática de todo e qualquer procedimento. “A obrigatoriedade de cobertura de determinado procedimento deve ser sempre verificada caso a caso, e será reconhecida quando demonstrada a efetiva necessidade e imprescindibilidade do tratamento, sem prejuízo que a operadora faça prova em sentido contrário”, disse a ministra.
“Nancy Andrighi, ministra do Superior Tribunal de Justiça, afirmou ainda que não é possível equiparar a situação da saúde complementar à saúde pública, em que não há capacidade de incluir todo tipo de tratamento no SUS. Não há uma escolha de Sofia quanto ao paciente que deve ser tratado, como se fará com a consolidação da tese do rol taxativo da ANS, excluindo tratamentos obrigatórios e incluindo outros. Na saúde pública, sim, o cobertor é curto e, portanto, se exige a tomada de decisões que atendam os interesses de uns em detrimento de outros, infelizmente. Embora haja similaridades, não há como aplicar para as duas situações.
Paulo Roberto Netto
do UOL, em Brasília
08/06/2022