Infelicidade no trabalho cresce e líderes nem se dão conta disso

Infelicidade no trabalho cresce e líderes nem se dão conta disso

Para Jon Clifton, CEO global do Gallup, as lideranças estão fracassando em praticar a escuta ativa

O mundo vive hoje a ascensão de um sentimento de infelicidade e líderes, do setor público e privado – do CEO ao gestor direto — não estão capturando esse movimento. A pandemia acentuou a sensação de solidão dos profissionais, bem como o estresse, o número de pessoas sem condições básicas para viver ou se alimentar não diminuiu, e a distância entre quem considera viver uma vida boa e aqueles que se sentem completamente infelizes cresceu. No mundo do trabalho, a verdadeira crise que existe hoje é a falta de empregos ótimos — posições ou funções com potencial de tornar a vida das pessoas mais felizes, e não apenas para permiti-las pagar as contas ou serem estáveis financeiramente.

Esse diagnóstico, nada otimista, é o que hortei o livro recém-lançado nos Estados Unidos “Blind Spot: The Global Rise of Unhappiness and How Leaders Missed It” e escrito por Jon Clifton, CEO global do Gallup. “E, diante de todo esse quadro, vemos líderes na sociedade que não ouvem as pessoas. No contexto empresarial, não escutam funcionários, clientes, fornecedores. Acho que vivemos hoje um fracasso total de escuta ativa”, afirmou Clifton, em entrevista recente.

Citando pesquisas do Gallup, Clifton diz que 25% dos profissionais hoje são totalmente ignorados no trabalho. No Brasil, uma pesquisa recente da Mercer, com 862 empresas, descobriu que 59% delas não realizaram um levantamento para coletar a preferência dos empregados sobre o modelo de trabalho pós-pandemia, sendo esta uma decisão exclusiva da liderança. Conversando sobre o que leva os CEOs a não praticarem a escuta ativa, Clifton diz que muitos deles não querem perguntar por temerem ouvir uma demanda para a qual não terão investimento.

“Mas isso não é necessariamente verdade. Nós recentemente trabalhamos para uma fábrica e perguntamos aos funcionários se eles tinham os recursos que precisavam para fazer o seu trabalho bem feito. E eles disseram: ‘nós precisávamos de luvas de outros tamanhos’. Veja que não é uma questão de dinheiro. Algum gestor deveria ter descoberto que as luas compradas não cabiam nas pessoas”, conta. No mundo, apenas 40% dos funcionários disseram que têm os recursos necessários para trabalhar de modo eficaz — e não ter acesso a essas ferramentas é uma das principais fontes de estresse no trabalho, diz Clifton, citando pesquisas do Gallup.

Em seu livro, ele reuniu dados de quinze anos de pesquisas do instituto em uma série que começou em 2006. Todos os anos o Gallup escuta cerca de 150.000 pessoas em mais de 140 países (incluindo o Brasil) sobre o que sentem com relação a suas vidas. As experiências de emoções negativas – relacionadas ao estresse, tristeza, raiva, preocupação e dor física – atingiram um recorde no ano passado.

“Vejo três impulsionadores para esse quadro: o primeiro é que o mundo voltou a perder a guerra contra a fome, uma luta que estávamos vencendo até 2014. O segundo envolve guerras, como a da Ucrânia, que gera estresse de várias formas. E o terceiro é a solidão: até as pessoas empregadas hoje se sentem mais sozinhas do que nunca. Há pessoas no trabalho que são ignoradas por seus gestores e até por seus colegas”, avalia Clifton. Dados do Survey Center on American Life indicam que 10% das mulheres americanas disseram não ter nenhum amigo próximo em 2021, ante 2% que diziam o mesmo em 1990. Entre os homens, 15% disseram não ter um, ante 3%.

Diminuir esse sentimento envolve ações mais humanas – ou menos automáticas por parte dos gestores, defende. “É não pensar o funcionário como um robô, é estar de fato próximo dele. Nossas pesquisas mostram que as pessoas gostam mais de receber um feedback ruim do que não receber feedback algum”. Também não é fundamental criar um cargo específico na empresa para olhar para o bem-estar da força de trabalho – nos últimos anos, o mundo corporativo começou a incorporar os chamados diretores de felicidade, ou nomeados como ‘Chief Happiness Officer’.

“Veja, eu não acho necessariamente que esse cargo é fundamental para melhorar a vida das pessoas no trabalho. Essa nomeação surgiu nos EUA justamente com o [mascote] Ronald McDonald’s, e talvez até por isso muita gente não leve essa posição a sério. Mas meu ponto é que precisamos hoje ver CEOs se juntando aos diretores de RH para ouvir as necessidades das pessoas e criar um ambiente próspero de trabalho”, afirma.

Esse ambiente, em sua visão, se desenha a partir de alguns elementos: “as pessoas sabem o que é esperado delas? elas têm os recursos dos quais precisam? têm a oportunidade de usar seus pontos fortes? têm a chance de se desenvolverem, aprenderem, crescerem e criarem relações fortes?”, afirma Clifton, citando uma metodologia criada pelo Gallup. “Porque, no fundo, se você trabalha em um ambiente onde odeia seus colegas, lhe asseguro que você está quase destinado a ser infeliz. E se você não é capaz de criar relacionamentos fortes, a chance de experimentar emoções negativas, como raiva, estresse, tristeza, dor física e ansiedade, é altíssima”, afirma Clifton.

No Brasil, os dados do Gallup mostram que as pessoas estão experimentando mais essas sensações, principalmente, de raiva e de estresse. Em 2021, o indicador de emoções negativas do país foi o mais alta na série do instituto. “A avaliação de 2022, que ainda não divulgamos, mostrará uma melhora nesses sentimentos entre os brasileiros, mas é algo bem sutil”. Não é só o trabalho que pesa negativamente hoje para os brasileiros. Clifton avalia que há um sofrimento ocasionado pelo ambiente politizado, pelo aumento da fome e uma sensação de corrupção generalizada. Este último aspecto sempre foi expressado pelos brasileiros entrevistados pelo Gallup.

“Quando se tem todos esses elementos cria-se uma espécie de caldeirão social, como o que ocorreu para a ascensão do Donald Trump [ex-presidente dos EUA]. Um cenário no qual as pessoas ficam frustradas não só com suas próprias vidas, mas também sentem que o sistema funciona contra elas.

Há 16 anos, em uma escala de 1 a 10, apenas 1,6% das pessoas classificavam a sua vida como a pior possível. Em 2021, esse número quadruplicou, atingindo 7,6%. Aumentou também a desigualdade em termos de bem-estar e felicidade: há uma diferença agora de 7,7 pontos entre os 20% que vivem muito bem (média de 8,9 na escala) e os 20% que disseram viver muito mal (média de 1,2). Esse ‘gap’ é o maior na história de rastreamento do Gallup, segundo Clifton.

“Portanto, há uma desigualdade crescente entre os que têm e os que não têm uma vida boa, e este é um enorme problema. É uma desigualdade emocional que pode ou não estar conectada à desiguale econômica”, afirma.

Mas o que faz, afinal, uma vida ser boa?

Essa é uma das perguntas que Clifton tenta responder no livro. Dados dos 20% de pessoas que dizem, nas entrevistas do Gallup, viverem muito bem apontam para alguns elementos em comum. Essas pessoas aparentemente mais felizes acham que têm empregos ótimos, que estão financeiramente estáveis, que vivem em comunidades seguras (com infraestrutura e onde conseguem criar laços emocionais), se alimentam bem e estão fisicamente em forma. “E a lição aqui é que elas precisam desse conjunto, não é somente uma questão de dinheiro”, afirma. No pós-pandemia, analisa, também há uma revisão da chamada ‘hustle-culture’, que incentiva as pessoas a conquistarem rápido e encoraja funcionários a trabalharem o máximo que puderem, incluindo finais de semana, para prosperarem. “Penso que é um momento para muitos indivíduos refletirem sobre isso porque existem pessoas obcecadas pelo trabalho, que dão peso para isso, mas também não vejo mal se é o que faz, de fato, essas pessoas felizes. O que precisamos, no fundo, é entender que a noção de bem-estar é muito mais subjetiva do que o que as estatísticas tradicionais capturam”.

Nesse aspecto, ele analisa no livro novas formas para mensurar felicidade e bem-estar, defendendo que indicadores de desenvolvimento econômico e social, do PIB à taxa geral de desemprego, não capturam como as pessoas estão vivendo suas vidas.

Clifton diz que vê a felicidade como “uma emoção efêmera ou alegria fugaz” e acha que líderes deveriam olhar mais para o bem-estar geral. “Não acho que o foco das pessoas, no fundo, seja a felicidade no trabalho. Elas estão buscando bem estar e a melhor maneira de medir isso é através do conceito de engajamento, algo que o próprio Daniel Kahneman [psicólogo e Nobel de Economia] defende”, afirma. “E, para mim, as pessoas se engajam quando trabalham em um ambiente próspero, têm acesso a empregos ótimos e são reconhecidas pelo que fazem.

Por Barbara Bigarelli – Do Valor Econômico

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