Felicidade tem efeito dominó na saúde mental e ganha espaço em empresas
O assunto felicidade que é tema do livro “As Zonas Azuis da Felicidade”, de Dan Buettner, jornalista da National Geographic, que trata das lições identificadas nas pessoas mais felizes do planeta chega nas empresas, que criam o cargo de CHO – Chief Happiness Officer, ou Gestor Executivo da Felicidade, conforme matéria abaixo de Fernanda Bastos, Especial para o Estadão, de 30 de maio de 2021.
Bem-estar dos profissionais alcança centro do debate na pandemia; empresas como Ambev aderem a gestor de felicidade, e UnB tem disciplina sobre o tema desde 2018; veja 14 dicas para ter saúde mental:
Fernanda Bastos, Especial para o Estadão
30 de maio de 2021 | 05h02
“Se as companhias focam mais em felicidade, elas podem não só ter funcionários mais felizes como também mais produtivos”, é o que afirma Laurie Santos, professora e pesquisadora da área de psicologia na Universidade de Yale. Este é o efeito dominó que as empresas estão buscando entender nos últimos tempos. Funcionários mais felizes são pessoas mais saudáveis e, assim, mais produtivas.
“A felicidade afeta nossa tomada de decisão, afeta nossa criatividade e também afeta nossa função imunológica. Então, é realmente importante pensar sobre o desenvolvimento da carreira pessoal com o viés da felicidade também”, sintetiza Laurie.
Em 2017, o Brasil já ocupava o primeiro lugar de prevalência de transtornos de ansiedade nas Américas, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante a pandemia, ficou evidente: o assunto felicidade no trabalho é urgente e sério. De acordo com pesquisa do Instituto Ipsos, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, 53% dos brasileiros declararam que sua saúde mental piorou um pouco ou muito no último ano, na vida sob a pandemia. Já a American Psychological Association (APA) publicou relatório com tendências emergentes na área de psicologia para 2021 e, entre as “top 10”, destaca-se o tópico “employers are increasing support for mental health” (empregadores estão aumentando apoio para saúde mental). Ele revela que grandes empresas ofertam recursos e cuidados à medida que reconhecem a pressão que a pandemia exerce sobre seus colaboradores.
É o caso da Ambev. Durante a pandemia, a regional Nordeste da companhia criou o cargo de especialista happiness & learning, que hoje é ocupado por Ellen Luna. Após um processo de esgotamento psicológico durante o auge na carreira do mercado financeiro, Ellen decidiu buscar um outro caminho para sua vida profissional. Realizou especializações em psicologia e gestão de pessoas e após a contratação, há três meses, na Ambev, certificou-se como Chief Happiness Officer (CHO) pelo Instituto Feliciência.
“O Chief Happiness Officer (CHO) ou Gestor Executivo da Felicidade, é o responsável por catalisar as iniciativas de felicidade na organização. Atua em âmbito estratégico, apoiando a disseminação do propósito corporativo, o desenvolvimento de uma cultura organizacional saudável e a sedimentação de um modelo de liderança positiva”, destaca Carla Furtado, diretora executiva do Instituto Feliciência.
Cabe ao CHO também capitanear o processo de diagnóstico do bem-estar e o planejamento do plano de ação de melhoria das condições para a felicidade, destaca Carla. E por onde começar? Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect, diz que é preciso inicialmente educar a corporação sobre o que é felicidade corporativa e começar a desmistificar o conceito dentro da empresa.
Este é um dos maiores desafios enfrentados por Ellen: o ceticismo em relação à felicidade. “Conseguir conquistar credibilidade é difícil. É preciso conseguir levar para elas que falar sobre felicidade é tão importante quanto falar de qualquer outro indicador da empresa, porque ela é fundamental para que as pessoas continuem no trabalho, para reduzir os índices de burnout e para melhorar o engajamento”, diz Ellen.
Para conquistar esses objetivos, Ellen passa 80% do tempo estudando a criação e a posterior implementação do plano de felicidade organizacional para que seja algo orgânico. Por meio do conhecimento científico e técnico, ela vai implementar diagnósticos e propostas de ação para melhoria da cultura e da liderança.
“O momento agora é de cuidar”, destaca a profissional, que estabeleceu como estratégia inicial o trabalho com os líderes da empresa. “Adianta cuidar da base se eu não cuido dos dirigentes? Se não tiver cuidado, eles acabam se estressando e adoecendo os colaboradores também”. “Se meu líder é positivo e ele é feliz, a equipe vai trabalhar da mesma forma”, concorda Renata.
Para Fabíola Martins Tibúrcio, gerente regional Nordeste de Gente, Gestão e Performance da Ambev e chefe de Ellen, o líder precisa tirar a capa de super herói, mostrar suas vulnerabilidades e apoiar o tema da felicidade no trabalho. “Existe um tabu em falar sobre felicidade no trabalho, mas a pandemia trouxe a urgência dessa discussão. São 2.600 colaboradores na empresa regional, então não adianta tratar e trabalhar com a base e depois o líder daqui a meia hora desfazer tudo. O CEO e a alta liderança precisam realmente apoiar, patrocinar e acreditar no projeto.”
Um CEO que também é CHO: o cargo C-level mais elevado de uma empresa (o de presidente) acumulando a função de ser guardião e embaixador da felicidade na companhia. “Quando a alta liderança acredita no tema e o promove na empresa, vai fazer o tema acontecer. E quando o líder é alguém que acredita, é muito mais fácil mudar a cultura”, destaca Renata Rivetti, da Reconnect.
Na The Bridge, empresa de alocação de profissionais da área de tecnologia no mercado de trabalho internacional, o CEO, também conhecido como CHO, é Bernardo Carvalho. Após 15 anos no mercado publicitário, ele se aventurou em busca de um novo propósito: trazer felicidade para a vida de outros profissionais.
“O cargo de Chief Happiness Officer nasce como uma missão, além de ser um dos objetivos da empresa, de fazer os clientes felizes, os candidatos felizes e a equipe interna também”, diz. “Eu ser também o CEO da empresa significa um olhar 360°, de como posso gerar felicidade, valor e resultados.”
Bernardo Carvalho, CEO e CHO da The Bridge: ‘As pessoas não deixam as empresas, elas deixam o chefe’.
Para Bernardo, a falta de liderança, de uma cultura organizacional sustentável ou da definição de plano de carreira são alguns dos fatores de maior insatisfação no trabalho. “Na The Bridge perguntamos a motivação da saída do candidato do antigo emprego e é aquilo: as pessoas não deixam as empresas, elas deixam o chefe.” O CEO acredita na importância do engajamento dos colaboradores e na criação da sensação de pertencimento para gerar mais felicidade.
“Qual é o seu nome? O que te faz feliz?”. Estas são as duas primeiras perguntas da disciplina de Felicidade na Universidade de Brasília (UnB) que o professor Wander Pereira faz para seus alunos. A matéria, que não tem como objetivo ensinar a ser feliz, mas apresentar práticas para exercitar esse sentimento é, para alguns alunos, o ponto de partida para a determinação de um caminho para a vida profissional guiado pela felicidade.
A disciplina, criada em 2018 com foco em estudantes de engenharia, e que hoje tem alunos de diversos cursos, serve para muitos como válvula de escape e acaba contribuindo para a melhora do desempenho em outras matérias. Criticada por outros docentes, a disciplina quebra o paradigma de que para ser um bom profissional é preciso sofrer, é preciso ser duro para resistir ao trabalho.
“A maioria dos alunos entra para cursar a disciplina com a ideia de que trabalhar é uma batalha, é preciso sobreviver, ser forte. No decorrer do semestre, começam a perceber o preço alto para a saúde mental e que o prazer é parte essencial do trabalho.”
“Ensino que ninguém pode ser responsável pela sua felicidade a não ser você mesmo, mas é uma responsabilidade das empresas criarem condições para que as pessoas se realizem e sejam felizes no ambiente de trabalho”, destaca o professor. As empresas devem ter como prioridade a saúde mental dos seus colaboradores, bem antes da lucratividade. “Essa lógica de primeiro o lucro e depois o bem-estar não dá certo. O modelo de empresa que não é sustentável emocionalmente, vai chegar um dia que também não vai ser economicamente”.
A construção de uma cultura saudável, que contemple o bem-estar humano como valor inegociável, aliada a um modelo de liderança que privilegie o cuidado, é o ponto de partida para alcançar a sustentabilidade emocional. Segundo Carla Furtado, do Instituto Feliciência, além disso, é preciso reduzir a velocidade, o excesso de trabalho e de conexão no sentido de garantir a sustentabilidade.
Para Renata Rivetti, da Reconnect, o que realmente trabalha a felicidade do colaborador é valorização, reconhecimento, pertencimento, desafio e significado. “Oportunidade de desenvolvimento, autonomia e flexibilidade, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, relações positivas, trabalho que desafia e que tem significado”, destaca. Abaixo, veja 14 orientações de especialistas para empresas e colaboradores.
Para as empresas:
- Felicidade como valor: gerar significado para as ações, trazer a felicidade para a estrutura da empresa, para os valores.
- Estímulo do reconhecimento: trabalhar a gratidão entre os colaboradores. Um exemplo é começar as reuniões perguntando se alguém tem algo para agradecer.
- Criação de laços: focar na proximidade entre as pessoas.
- Flexibilidade e autonomia: criar relações de confiança com o colaborador sobre o seu próprio gerenciamento de tempo e entregas.
- Entender quem são os colaboradores: perceber quais são as atividades que geram maior felicidade nos colaboradores e buscar desenvolvê-las.
- Criação de um ambiente sustentável: espaço para críticas, ideias, contribuições dos colaboradores, para eles se expressarem.
- Organização da comunicação: poupar o tempo da equipe, definir quais reuniões são realmente importantes. Definir um canal de comunicação que não seja o mesmo do pessoal, enviar uma quantidade menor de e-mails.
- Valorização da desconexão digital: empresas devem estabelecer políticas de desconexão digital, respeitando o espaço de desconso dos colaboradores. A recomendação é de pelo menos 12 horas de desconexão sequenciais. Na França o tema já é lei.
- Iniciativas de descompressão: criação de espaços e pausas na agenda corporativa como a determinação de faixas de horários para a não realização de reuniões online ou uma semana de descanso para todos do escritório.
Para colaboradores:
- Deixe as coisas fluírem e permita sentir: aproveite para implementar mudanças pequenas e duradouras e exercitar o novo. Não se cobre grandes transformações. Experimente coisas novas.
- Mantenha-se saudável: como consequência terá a produtividade, mas não foque só nesta última.
- Momentos de descanso entre uma reunião e outra: tomar sol, andar pela casa, buscar trocar de ambiente. Realizar intervalos se o trabalho for presencial. Apagar o espelho da câmera em reuniões online e também a câmera pode contribuir para diminuir o cansaço..
- Redes sociais: estabelecer horários e momentos para utilização.
- Método RAIN: reconhecer as emoções negativas, permitir senti-las, investigá-las e cuidar de si mesmo depois.