O papel do ciclo circadiano no sono e na homeostase da microbiota intestinal
Ciclo circadiano, ritmo circadiano ou relógio biológico são termos utilizados para descrever um período de tempo (de aproximadamente 24 horas) durante o qual ocorre uma série de mudanças no funcionamento do organismo de quase todos os seres vivos. A renovação celular, o ciclo sono-vigília, a secreção de hormônios e o metabolismo energético estão entre os principais processos biológicos influenciados pelo ritmo circadiano que, por sua vez, sofre influência de fenômenos da natureza, como a incidência de raios solares, a luminosidade e a temperatura ao longo do dia.
No entanto, mudanças no ciclo circadiano (como passar noites em claro, trocar o dia pela noite ou alterações de fuso horário) podem interferir em inúmeros processos biológicos, resultando na desregulação metabólica e endócrina, como por exemplo, o aumento da liberação de cortisol e redução da liberação de melatonina e de hormônios do crescimento, além de exercer influência sobre os sistemas nervoso central, cardiovascular e imunológico. Estas mudanças, quando constantes, acabam por favorecer o desenvolvimento de uma ampla variedade de doenças, incluindo obesidade, diabetes, câncer, doenças cardiovasculares e maior susceptibilidade a infecções. Mas você sabia que mudanças no ciclo circadiano também podem alterar a composição da microbiota intestinal, favorecendo o desenvolvimento destas doenças?
Nos últimos anos, estudos vêm demonstrando que a microbiota intestinal apresenta um papel fundamental na regulação de inúmeros processos biológicos, incluindo a digestão de componentes da dieta, absorção de nutrientes, modulação do metabolismo energético, regulação das respostas imunes, dentre muitos outros, que também são influenciados pelas variações no ciclo circadiano. Neste contexto, um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Weizmann de Ciência e publicado na revista Cell avaliou se o “jet lag” (alteração no ciclo circadiano devido a viagens, mudanças de fuso horário, distúrbios hormonais ou de sono) modifica a composição da microbiota intestinal, favorecendo o desenvolvimento de diferentes doenças metabólicas. O estudo demonstrou que diversas espécies de bactérias que compõem a microbiota intestinal têm seu desenvolvimento guiado pelo ciclo claro-escuro, aumentando ou reduzindo sua proliferação ou função ao longo do dia ou da noite. Um exemplo deste fenômeno ocorre com o Lactobacillus reuteri – bactéria que promove diferentes benefícios metabólicos ao hospedeiro. Esta bactéria está presente em maiores concentrações e é mais ativa no período diurno em comparação ao período noturno, sugerindo que a dinâmica da microbiota intestinal pode influenciar a manutenção da homeostase metabólica do organismo humano.
Ainda, este estudo demonstrou que as modificações da microbiota intestinal decorrentes do jet lag alteram a secreção de diferentes compostos produzidos pelas bactérias, incluindo bacteriocinas. Assim, o jet lag pode favorecer o desenvolvimento de uma disbiose intestinal – desequilíbrio entre as bactérias comensais e patogênicas que compõe a microbiota – que, por sua vez, está associada ao desenvolvimento de diferentes doenças intestinais, metabólicas, cardiovasculares e neuropsiquiátricas. Ao analisarem a composição da microbiota de indivíduos 24 horas após realizarem uma viagem longa de avião – atravessando diferentes fusos horários e interrompendo o ciclo do sono – foi observado um aumento de bactérias do filo Firmicutes, o qual está associado com a alta propensão para o desenvolvimento da obesidade e de doenças metabólicas. Desta forma, este estudo concluiu que alterações no ciclo circadiano também interferem com a composição da microbiota intestinal, podendo favorecer o desenvolvimento de doenças como a diabetes e a obesidade.
Estudos como estes demonstram que tanto o tempo quanto a qualidade do sono são fundamentais para o funcionamento adequado do organismo e, também, para o equilíbrio da composição da microbiota intestinal. Embora variações em decorrência de viagens possam ocorrer esporadicamente, muitos indivíduos que trabalham ou estudam a noite – permanecendo durante horas sem um descanso adequado – também estão sujeitos aos efeitos deletérios associados à interrupção do ciclo circadiano. Assim, dormir de 7 a 9 horas de maneira ininterrupta é um hábito que melhora a qualidade de vida e pode auxiliar na prevenção de inúmeras doenças.