Empresas começam a oferecer benefícios fora do escopo tradicional para atrair e reter talentos
Novas modalidades incluem desde apoio a funcionários que querem fazer a transição de gênero até licenças pet
Por Fernanda Gonçalves — Do Valor Econômico São Paulo
16/02/2023 05h01
O pacote de benefícios ainda é um dos principais motivos que faz um profissional permanecer no emprego. É o que mostra pesquisa com 2.095 funcionários contratados em regime CLT e 1.096 profissionais de RH de todo o Brasil, realizada pela fintech Onze. Para 62% dos trabalhadores de empresas com mais de 100 pessoas, esse é um dos atrativos mais importantes para ficar no emprego. O achado faz parte da pesquisa Tendências em Benefícios Corporativos 2023 e obtido com exclusividade pelo Valor.
Fernanda Cortez, head de RH da Onze, acredita que as empresas, em geral, ainda estão presas ao “feijão com arroz” no que diz respeito à adoção de novos benefícios. “Algumas companhias não estão enxergando outras necessidades importantes das pessoas, que vão além do plano de saúde ou do vale-refeição”, afirma. A executiva destaca que, dessa forma, as organizações correm o risco de terem problemas no que diz respeito à competitividade, atração de talentos e retenção de funcionários. “São impactos que podem prejudicar o negócio a longo prazo”, alerta.
Mesmo tendo passado pela recente reestruturação global, que ocasionou a demissão de 11 mil funcionários, o equivalente a 13% da força de trabalho da empresa, a Meta sabe da importância dos benefícios para a retenção de talentos no longo prazo. Thais Mingardo, gerente sênior de remuneração e benefícios da Meta para América Latina conta que os benefícios surgem por consequência das demandas dos profissionais e da observação por parte da companhia das necessidades de cada um. “No período mais crítico da pandemia criamos uma série de novas licenças para apoiar os colaboradores e seus familiares”, relata.
A pesquisa mostra que benefícios flexíveis e programas de saúde mental estão entre as iniciativas que as empresas pretendem implementar em 2023. O dado vai ao encontro do que é relatado pela Meta, já que, atualmente, a companhia fornece uma quantia anual em dinheiro para que o funcionário escolha onde e como gastar, desde que o foco seja em saúde mental, física e financeira.
Sabrina Almeida dos Santos, analista de controle de operações financeiras da Vivo, teve o apoio da empresa para seguir com a transição de gênero — Foto: Silvia Zamboni/Valor
A empresa também inclui benefícios pouco comuns como o destinado à fertilização. A política está disponível para os profissionais da sede brasileira desde julho de 2022, e é válida para todos os funcionários e seus cônjuges. “Não é apenas um reembolso para os custos do tratamento, mas um suporte para toda a jornada de planejamento familiar”, explica Mingardo.
De acordo com Matheus Roque, mestre em medicina reprodutiva, diversas corporações americanas começaram a disponibilizar o benefício de congelamento de óvulos há alguns anos, já que muitas mulheres estão optando por adiar a gestação. “As empresas perceberam que oferecer essa possibilidade incentiva as funcionárias a manterem o foco na vida profissional e, ao mesmo tempo, tira um peso que elas, muitas vezes, carregam de estarem se dedicando ao trabalho e, ao mesmo tempo, diminuindo as chances de ter um filho”, destaca.
Existem outras necessidades que vão além do plano de saúde ou do vale-refeição”, diz Cotez, da fintech Onze
Ainda dentro da área de planejamento familiar, em 2019, a Diageo passou a estender sua política de licença parental para todos os seus funcionários, englobando as diferentes configurações de casais, além de pais e mães adotantes. A iniciativa garante salários e benefícios integrais ao profissional por 26 semanas.
Maria Gabriela Herrera, diretora de RH da organização, revela que, até o momento, a política beneficiou 161 funcionários no escritório do Brasil, sendo 97 mulheres e 64 homens. Ela acredita que a licença familiar tem impacto significativo no engajamento e bem-estar dos funcionários. “Podemos medir o sucesso do programa pelo índice de adesão, já que 98% dos homens da companhia que se tornaram pais neste período utilizaram”.
Outras empresas resolveram expandir ainda mais o conceito de família e oferecer benefícios relacionados à adoção de animais de estimação. Uma delas é a Mars, que dá direito a um afastamento remunerado de oito horas quando o trabalhador adquire ou perde um pet.
A política foi instituída em 2022 para todos os funcionários da companhia no Brasil. “Um pet exige tempo de adaptação e, além disso, estudos mostram que animais impactam positivamente a vida das pessoas e podem ajudar a manter a saúde mental, o que também resulta em um melhor desempenho e produtividade no trabalho”, lembra Simone Karpinskas, diretora de recursos humanos da organização.
Já na Vivo, desde 2021, os funcionários que adotam animais ganham o direito de se ausentar do trabalho por dois dias. “Esse modelo de licença também é uma forma de estimular a adoção consciente”, diz Niva Ribeiro, VP de pessoas da companhia.
Além disso, em 2016, a organização passou a disponibilizar aos funcionários um programa de benefícios flexíveis, que conta com vantagens adaptáveis às necessidades de cada profissional. A política passa por atualização constante e, desde a sua implementação, foram adicionadas atividades esportivas, meditação, yoga, equipe formada por acupunturistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, além de subsídio financeiro para cursos de idioma, graduação, pós-graduação e MBA.
No entanto, uma das principais iniciativas da organização é um programa voltado para a diversidade, pautado nos pilares de gênero, LGBTI+, raça e pessoas com deficiência, que existe desde 2018. “Aqueles que se identificam com um dos grupos podem debater e sugerir novas ações ao subcomitê daquele pilar, que conta com um diretor responsável por estruturar as iniciativas escolhidas”, detalha Ribeiro.
Atualmente, a empresa apoia seus funcionários trans na retificação de documentação pessoal com o intuito de garantir a individualidade e o reconhecimento. Os profissionais também podem usar seus nomes sociais nos crachás e endereços de e-mail, ainda que a mudança não tenha sido oficializada.
Além disso, foram instaladas sinalizações em todos os banheiros dos escritórios informando que o uso é de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica. Segundo Ribeiro, a empresa encerrou 2022 com 70 trabalhadores trans em seu quadro, representando um crescimento de aproximadamente 50% em relação ao ano anterior.
Uma dessas pessoas é Sabrina Almeida dos Santos, analista de controle de operações financeiras, que trabalha na Vivo há quatro anos. Ela conta que os benefícios voltados para transgêneros contribuem para a existência de um ambiente de trabalho agradável e evitam situações desconfortáveis com a equipe.
“Por medo do preconceito e de não conseguir me colocar no mercado de trabalho, tinha receio de externalizar que sou uma mulher trans”, relata. “A empresa, com toda a estrutura de diversidade, me encorajou a seguir com a transição e me mostrou que o meu lado profissional não seria reduzido pelo meu gênero.”
Stephanie Stolfo, líder de diversidade e inclusão para a América Latina da IBM revela que, desde 2017, a empresa também conta com um programa de atenção aos funcionários trans. “O objetivo é acolher as pessoas que estão em seus processos de transição de gênero por meio de uma equipe de médicos e psicólogos”, explica. A companhia concede ainda subsídio de 75% do valor na compra da terapia hormonal, válido também para os dependentes.
Algo semelhante acontece na Dasa. A empresa oferece aos profissionais trans um acompanhamento com equipes habilitadas para lidar com as especificidades relacionadas à diversidade de gênero, e inclui apoio a mudanças corporais por meio de terapias com hormônios. “Queremos que as pessoas se sintam à vontade e confortáveis para procurar um atendimento apropriado e verdadeiramente acolhedor”, afirma Fabio Rosé, diretor-geral de pessoas e cultura da companhia.
Ele explica que o programa foi lançado em novembro de 2022 e, atualmente, conta com a participação de dezesseis funcionários, sendo doze deles inseridos em hormonização, quatro com demanda cirúrgica já avaliada, e seis com agendamentos de consultas médicas. “A premissa é oferecer um programa que vá além do acesso à vaga, do uso do nome social e do treinamento de lideranças para integrar esses profissionais ao time”, detalha.
A pesquisa da Onze mostrou, ainda, que 68% dos profissionais consideram o plano de saúde como sendo algo decisivo na hora de aceitar uma vaga. Nesse sentido, um benefício oferecido pelo Grupo Boticário se destaca. Trata-se de um programa para sanar dúvidas a respeito de um diagnóstico ou indicação de tratamento por meio de uma espécie de consultoria com profissionais renomados no mercado.
Diante de uma condição de saúde do profissional ou do dependente, uma série de documentos é coletada, como exames, declarações, histórico sobre a investigação da doença, indicação do tratamento e levantamento de dúvidas. As informações são então encaminhadas para especialistas da área no Brasil e exterior, com médicos de hospitais como o Albert Einstein e instituições de ensino como John Hopkins, Cambridge e Harvard.
Depois de sete a quinze dias, o funcionário recebe um dossiê com o currículo dos especialistas, dúvidas esclarecidas, considerações e indicações de opções terapêuticas e investigativas complementares, se necessário. Já para tratamentos que estão fora do rol da ANS, o caso é encaminhado a um comitê interno da corporação que analisa se existe a possibilidade de a companhia custear o tratamento.
Renata Simioni, diretora da jornada do colaborador do Grupo Boticário, afirma que mais de 100 pessoas já utilizaram o benefício, implementado em 2019. “O objetivo do programa é abastecer o profissional com dados médicos de qualidade para casos não tão comuns ou opiniões divergentes, conferindo, portanto, mais segurança para que a pessoa tenha as melhores informações sobre o diagnóstico e opções de tratamento”, explica.
O filho de Marianah Mikosz, gerente de comunicação da companhia, recebeu um diagnóstico de câncer com um mês e meio de vida, e o tratamento proposto pelo hospital no Brasil era de nove meses. Ela fez uso do benefício e, assim, uma junta médica do Canadá avaliou o caso. A sugestão dos especialistas foi realizar novos exames para reduzir o tempo de tratamento para cinco meses. “A médica dele concordou e seguimos com o novo plano. Ter uma segunda opinião me deixou muito mais segura frente ao que estava acontecendo”, relata.
Quem também usou o benefício foi Suelen Morais, gerente de saúde integral da organização. Sua filha, Cecília, foi diagnosticada com paralisia cerebral e, aos nove meses, tomava cinco medicamentos e tinha crises convulsivas diárias. Morais ficou sabendo do benefício que, na época, estava em fase de testes, e decidiu participar.
Após duas semanas, ela recebeu um relatório com a opinião de dois médicos de hospitais infantis dos EUA. No documento, os especialistas responderam suas dúvidas e recomendaram o uso de canabidiol livre de THC.
Hoje, Cecília tem quatros anos e utiliza dois medicamentos e o canabidiol. As crises de convulsão foram controladas em cerca de 90% e houve melhora significativa no seu desenvolvimento cognitivo. Além do fator de se sentir confiante em relação a utilização do canabidiol, Morais ressalta que o programa a ajudou a ter mais argumentos para conduzir a situação junto aos médicos do Brasil. Agora, ela pretende buscar novamente a segunda opinião.